Nos últimos anos, a sustentabilidade emergiu como um tema central nas agendas corporativas, ganhando notável destaque e reconhecimento. Em resposta à crescente demanda por práticas comerciais mais éticas e ambientalmente responsáveis, o International Sustainability Standards Board (ISSB) tomou a iniciativa crucial de lançar suas primeiras duas normas de sustentabilidade, nomeadamente IFRS S1 e IFRS S2. Esse marco significativo não apenas simboliza um salto progressivo em direção à integração de preocupações sustentáveis nos mercados globais, mas também inaugura uma nova era de divulgações relacionadas à sustentabilidade, com profundo impacto global.
As normas pioneiras, IFRS S1 e IFRS S2, têm suas bases solidamente fundamentadas nos propósitos inovadores do ISSB. Esses objetivos delineiam uma tríade visionária: a formulação de padrões universais para divulgações sustentáveis, orientadas pelas necessidades informacionais de investidores globais; a facilitação das empresas na provisão de informações claras e decisivas, essenciais para tomadas de decisões voltadas à sustentabilidade no mercado de capitais; e, por último, a oferta de uma linguagem comum para divulgações de sustentabilidade, com a flexibilidade incorporada para integrar “blocos de construção” regionais – a critério dos reguladores – visando atender às exigências de informações tanto locais quanto de partes interessadas multifacetadas.
A IFRS S1 abraça uma abordagem abrangente, englobando requisitos gerais para divulgação de informações relacionadas à sustentabilidade. Essa norma estabelece um alicerce crucial, não somente para os requisitos específicos da IFRS S2, mas também para padrões futuros que abordarão áreas de sustentabilidade além da esfera climática. Adotando a estrutura bem-conhecida da Task Force on Climate-related Financial Disclosures (TCFD), o principal objetivo do padrão reside em exigir que as entidades divulguem informações pertinentes sobre os riscos e as oportunidades associados à sustentabilidade. Essas informações devem ter conectividade com os relatórios financeiros de natureza geral, observando o mesmo período de reporte e mesma data de publicação.
A partir da sua vigência, a norma ditará que as entidades promovam a divulgação de todos os riscos e oportunidades relacionados a sustentabilidade que possam influenciar de forma razoável a entidade. Isso implica a definição de diretrizes para o preparo e a divulgação destas informações, através do estabelecimento de requisitos formais para definição do conteúdo e a apresentação delas, com a finalidade intrínseca de torná-las úteis aos utilizadores destas informações. Em particular, o padrão demanda que as empresas forneçam divulgações sobre quatro aspectos:
- Governança: os processos de governança, controles e procedimentos utilizados para supervisionar os riscos e oportunidades relacionados à sustentabilidade;
- Estratégia: a estratégia para a gestão destes riscos e oportunidades;
- Gestão de Riscos: os processos empregados para a identificação, avaliação, priorização e monitorização destes elementos;
- Métricas e Indicadores: o desempenho global da empresa no tocante aos riscos e oportunidades sustentáveis, incluindo progresso em direção a quaisquer objetivos estabelecidos ou exigidos por lei.
Por outro lado, a IFRS S2 concentra-se nos requisitos específicos para divulgações relacionadas ao clima. Seu propósito primordial é garantir que as entidades apresentem informações sobre os riscos e as oportunidades associados às mudanças climáticas. Esta segunda norma também se apoia nas recomendações e orientações da TCFD, incluindo a exigência de divulgações setoriais específicas, tendo incluído as métricas pertinentes a cada setor como diretrizes ilustrativas, retiradas dos padrões estabelecidos pelo Sustainability Accounting Standards Board (SASB).
A IFRS S2 se concentra exclusivamente nos riscos climáticos enfrentados pela entidade, sejam eles riscos físicos relacionados ao clima, riscos de transição correlatos às mudanças climáticas ou, ainda, as oportunidades decorrentes desses desafios climáticos. A norma estipula que as empresas devem fornecer as divulgações previstas na IFRS S1, mas com foco particular nas questões climáticas que estão dando forma a um novo panorama de riscos para ampla gama de setores. À medida que eventos climáticos extremos se tornam mais intensos – desde ondas de calor devastadoras até inundações catastróficas – o foco nos riscos climáticos tem se deslocado além do tradicional impacto financeiro da descarbonização, agora abarcando os efeitos diretos das mudanças climáticas.
Avaliar esses riscos tornou-se uma parte vital das tomadas de decisões empresariais e de investimento, impulsionando a necessidade imperativa de adaptação e a implementação de abordagens resilientes para salvaguardar tanto os ativos quanto as perspectivas financeiras das organizações. Esta nova dinâmica climática também levanta questões complexas em relação à precificação dos riscos. As métricas financeiras tradicionais estão sendo cada vez mais questionadas, especialmente com a crescente necessidade de avaliar os riscos físicos decorrentes das mudanças climáticas. Em recente artigo publicado pelo jornal Financial Times, as jornalistas Vanessa Houlder e Nathalie Thomas trazem dados que apontam que a frequência de reporte dos dados sobre riscos climáticos representa apenas a metade das divulgações sobre descarbonização nas divulgações corporativas dos Estados Unidos. Além disso, não precificam os riscos das mudanças climáticas, conforme demonstrado por pesquisas realizadas pelo Fundo Monetário Internacional.
Essa nova realidade impulsiona a necessidade de realocação estratégica de recursos e investimentos, colocando no cerne das estratégias empresariais a gestão eficaz desses riscos emergentes, sublinhando a importância de uma análise profunda dos impactos das questões climáticas. Em um período em que as mudanças climáticas não apenas redesenham os desafios enfrentados pelas empresas, mas também reconfiguram a própria avaliação de ativos, a adaptação a essa nova realidade surge como uma premissa incontornável para estabelecer bases sólidas para decisões de investimento e para garantir a sustentabilidade dos negócios em um mundo em constante evolução.
As IFRS S1 e IFRS S2, estão programadas para entrar em vigor a partir de períodos iniciados em ou após 1º de janeiro de 2024. Há a possibilidade de adoção antecipada, com adoção simultânea de ambas as normas. No entanto, no Brasil, a norma encontra-se em fase de tradução, aguardando regulamentação subsequente. Não houve, por enquanto, a definição de um posicionamento formal por parte dos órgãos reguladores em relação ao cronograma de adoção das normas.
Em síntese, o lançamento dessas normas representa um passo marcante em direção a uma divulgação corporativa mais transparente, permitindo que investidores e partes interessadas tenham acesso a informações cruciais relacionadas à sustentabilidade. As normas não apenas refletem o reconhecimento crescente da importância desses tópicos, mas também refletem o compromisso coletivo em moldar um futuro mais sustentável e resiliente para os negócios globais.
Gabriel Buzzi é sócio da Baker Tilly no Rio de Janeiro, especialista em Finanças Corporativas, Auditoria e Controladoria pela FGV e em Economia e Gestão da Sustentabilidade pela UFRJ.