COP30: Entre a engenharia diplomática e a urgência climática

A COP30 terminou como começou: cercada de expectativas históricas e marcada por tensões que refletem a encruzilhada do multilateralismo climático. Belém ofereceu símbolos de grande potência política: a Amazônia no centro do mundo, a diplomacia brasileira em posição de liderança e a promessa de uma nova arquitetura de financiamento global. Mas essas promessas dividem espaço com impasses profundos, rascunhos criticados e decisões que chegaram à prorrogação após dias de negociações, refletindo a dificuldade de alcançar consenso no momento necessário.

O avanço mais objetivo foi financeiro.

O “Baku to Belém Roadmap” estabeleceu a ambição de mobilizar US$ 1,3 trilhão anuais para países em desenvolvimento, aproximando o regime climático dos valores que a ciência e a economia já apontavam como indispensáveis. A ele somou-se a consolidação do “Forest Finance Roadmap”, reforçado por um aporte expressivo da Alemanha destinado ao recém-criado fundo florestal. Esses movimentos colocam, finalmente, o financiamento no centro da transição. Mas é ingenuidade achar que esses compromissos, por si só, respondem à urgência. São intenções. Falta clareza nos mecanismos de desembolso, padronização de critérios e estruturas de responsabilização que garantam implementação real, evitando repetir o histórico de grandes promessas que não se concretizam.

Houve também avanço técnico na adaptação.

O “Global Goal on Adaptation”, antes um slogan repetido em plenárias, passou a incorporar critérios mais claros de mensurabilidade, com métricas padronizadas, indicadores de resiliência e parâmetros mínimos para planos nacionais. É uma vitória concreta, porque transforma um conceito abstrato em obrigação verificável. A Amazônia como palco reforçou ainda mais as pautas de povos indígenas, sistemas alimentares e soluções baseadas na natureza. Embora não tenham surgido novos mecanismos formais, houve um reposicionamento político claro que deve reverberar nas próximas rodadas de “NDCs”.

Mas é impossível ignorar o eixo onde a COP30 falhou de forma mais visível: mitigação.

A discussão sobre combustíveis fósseis — “phase-out” versus “phase-down” — não avançou. A União Europeia chegou a ameaçar barrar o acordo por ausência de metas claras, enquanto países produtores bloquearam qualquer linguagem que vinculasse a transição a prazos. O resultado foi criticado por especialistas: o tema mais sensível, e que deveria dar direção ao século, ficou fora do texto final. O “mapa do caminho” não sobreviveu à negociação e terá de ser apresentado como iniciativa isolada da presidência brasileira. Isso é um recuo, e foi percebido assim por analistas internacionais.

O peso recorde do “lobby fóssil”, amplamente relatado, inclusive com episódios de influência direta em reuniões informais, apenas evidenciou um problema que a ONU já não consegue contornar. Especialistas e organizações foram unânimes ao afirmar que os rascunhos apresentados eram fracos, evasivos e desconectados das recomendações científicas. A crítica mais dura recaiu sobre a ausência de qualquer termo vinculante relacionado a petróleo, gás e carvão. Em uma COP realizada na floresta tropical mais importante do mundo, esse silêncio não é apenas simbólico: é um erro estratégico grave.

A logística e a condução política também tiveram seus pontos de tensão.

O incêndio na “Blue Zone” interrompeu sessões e expôs falhas de infraestrutura que não deveriam ocorrer em um evento dessa magnitude. A prorrogação das negociações até o domingo, dia 23, acompanhada de marteladas tensas e declarações de frustração nos corredores, reforçou a percepção de que a COP30 foi capaz de abrir processos, mas não de concluí-los com a ambição necessária. A sensação de sub-representação de países vulneráveis, especialmente pequenos Estados insulares, tornou ainda mais dissonante o discurso oficial de justiça climática.

Apesar disso, houve movimentos relevantes nas franjas do processo: cidades, estados, consórcios empresariais e coalizões subnacionais ganharam protagonismo crescente. Muitos desses atores já operam com metas e trilhas de descarbonização mais ambiciosas que seus governos nacionais. É um sinal de que a transição caminha por canais paralelos, menos dependentes de consensos multilaterais e mais vinculados a pressões econômicas, tecnológicas e de mercado.

O balanço final é inequívoco: a COP30 não pode ser chamada de fracasso, mas também não pode ser celebrada como vitória. Ela cumpriu seu papel ao fortalecer a engenharia de financiamento e ao consolidar a adaptação como pilar técnico central. Mas ficou aquém naquilo que mais importa para o curto prazo: cortar emissões de forma alinhada à ciência. Sem metas robustas de mitigação, os recursos mobilizados hoje serão engolidos pelos danos climáticos de amanhã.

A próxima COP, portanto, não terá margem para manobras diplomáticas. Três movimentos são inadiáveis: transformar compromissos financeiros em desembolso real e verificável; reconduzir a discussão sobre combustíveis fósseis com metodologia blindada contra captura política; e revisar “NDCs” com base em trajetórias compatíveis com 1,5°C – não com narrativas convenientes.

Sendo realistas, podemos considerar que Belém foi a “conferência do redesenho”.

A próxima precisa ser a “conferência da entrega”.

Se não for, o sistema climático global e o próprio multilateralismo climático perderão credibilidade. A COP30 reafirmou que o multilateralismo climático segue sendo indispensável, mas exige uma evolução profunda para corresponder às mudanças que já estão em curso. O legado de Belém dependerá, essencialmente, do que o mundo decidir fazer a partir daqui.

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